terça-feira, 4 de agosto de 2009

GRAFITE: estética, ou a essência com atitude?

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O grafite expressa um significado importantíssimo para a comunicação e a formação de uma sociedade. Referente a isso, podemos relacionar a Europa, berço da civilização ocidental, especificamente Pompéia que, em nossos primórdios (primeiro século de nossa era), já caracterizava um dinamismo na aplicabilidade da comunicação como um aspecto relevante para a organização social urbanizada e dinâmica com seus efeitos mediante aos aspectos culturais vigentes, onde traços populares buscavam ganhar espaço frente à erudição de um grupo dominante. Nada mais peculiar que para nossos dias, tal antagonismo age sobre nossas vidas criando um espaço de intolerância, discriminação e exclusão em nosso meio social.

"(...) do ritmo de grafitagem (no caso, Pompéia), basta dizer que as inscrições eram constantemente apagadas pelos dealbatores (literalmente: 'que tornam a parede branca', cf. CIL IV, 3528) que liberavam os muros... para novas inscrições! (...) provinham de todos os grupos populaes da cidade, de camponeses e artesãos, de gladiadores e lavradores." (FUNARI, Pedro Paulo. Cultura Popular na Antiguidade Clássica, p. 28)

Ao contrário, vemos hoje a pichação como algo degradante, não buscando analisar profundamente a psicologia social que demonstra os estereótipos formados em relação à exclusão social na juventude sem uma perspectiva, e que os muros somente refletem a realidade atribulada na exploração de um exército de reservas, e não absorvendo um contingente ocioso, tentam combater o efeito na intenção de estar atingindo a do vandalismo sobre a propriedade privada.
As relações humanas estão intrinsecamente ligadas à condição de sociabilização dos meios em que nós exercemos; ações diretas sobre o devir de nossa condição comunicativa frente a realidade. De tal forma contraposta em nossas atuações antagônicas dentro de uma exposição social complexa na formação histórica:
a comunicação implica essencialmente uma linguagem, quer seja esta um dialeto falado, uma inscrição em pedra, um sinal de código Morse. A linguagem tem sido chamada "o espelho da sociedade".(CHERRY, Colin. A Comunicação humana. Trad. de José Paulo Paes. São Paulo, Cultrix, 1972. P. 64-5. Adaptado)
Dentro do processo de codificação em que a linguagem exerce em seu curso histórico, encontraremos um confronto lingüístico existente com um referencial cognitivo da construção humana, não isenta de posições ideológicas, que adaptam sua materialização de conteúdos socialmente heterogêneos instituídos no espaço e tempo.
"Mais do que fato objetivo e histórico, a linguagem única é projeto social excludente. 'A cada época histórica da vida ideológica e verbal, cada geração, em cada uma de suas camadas sociais, possui sua linguagem; além disso, cada idade tem seu ‘falar’, seu vocabulário, seu sistema de acentuação particular, que, por sua vez, variam com a classe social, com o estabelecimento escolar e segundo outros fatores de estratificação.'"([BAKHTINE: 1999, 112]. In: A Lingüagem Escravizada. Publicado na Revista Eletrônica ESPAÇO ACADÊMICO - Ano II - n.º 22 - Mar. 2003 - Mensal - ISSN 1519.6186 escrito pela Prof.ª Dr.ª Florence Carboni e Prof. Dr. Mário Maestri)

No final da década de 60 do século XX, jovens do bairro nova-iorquino do Bronx restabeleceram esta forma de arte.
A tese mais próxima da realidade sobre a origem do Grafite moderno surgiu com o HIP HOP, uma cultura de periferia, originária dos guetos americanos que une o RAP (música muito mais falada do que cantada), o break (dança robotizada) e o grafite (arte plástica do movimento cultural).
Não existe ainda um estudo consolidado, e muitas lacunas deverão ser preenchidas sobre a origem do GRAFITE, mas um elemento muito rico sobre as pesquisas já proferidas é oriundo do processo de formação da Cultura de Rua (Movimento Hip Hop) evidenciado principalmente nos guetos dos grandes centros urbanos dos Estados Unidos da América.
"Reconhecemos que chegaram até nós muitas coisas boas da cultura dos Estados Unidos. Sabemos respeitá-las, apreciá-las e incorporá-las ao nosso cotidiano. Não desejaríamos eliminá-las de nossas vidas. ao contrário, somos a favor da intensificação do intercêmbio cultural do Brasil com o maior número possível de povos e nações, mas de modo que todos possam participar, em igualdade de condições, como beneficiados e como colaboradores no processo de trocas de práticas e experiências da comunidade humana universal." (ALVES, Júlia Falivene. A Invasão Cultural Norte-americana. Ed. Moderna, pg. 09, 16.ª Edição)

Sabemos que o processo de Globalização não é a forma de aproximarmos de outras culturas como afirmam muitos pesquisadores de forma demagógica, mas precisamos definir aquilo que nos oferecem como um processo irreversível em que a sociedade se desenvolve contextualizada nos meios de produção ao qual o capitalismo atualmente se estabelece como modelo hegemônico de sua relação e exploração global.
O GRAFITE é um instrumento que vem nos propiciar uma alternativa de luta para toda e qualquer opressão de nossa sociedade. No Brasil ele se desenvolveu em um:
"(...) sentimento, gerado sobretudo no seio dos setores mais esclarecidos politicamente, se manifestou muitas vezes, a partir da década de 60, sob forma de grafites e atos públicos de protesto contra enviados do governo dos USA em visita às nações latino-americanas. Aqui no Brasil se podia ler constantemente nos muros das grandes cidades: 'Yankee, go home!', 'Abaixo o imperialismo norte-americano' ou 'Tio Sam, fora do Brasil' " (ALVES, pg. 50).

Essa referência que tivemos nos muros da Ditadura Militar, assim como no mundo, nesse contexto de subversão e rebeldia, deve-se ao Movimento Contra-cultural levantado na França, principalmente em Paris, maio de 1968:
A propaganda através de inscrições e desenhos em muros e paredes é uma parte integrante da Paris revolucionária de Maio de 1968. Ela se tornou uma atividade de massa, parte e parcela do método de auto-expressão da Revolução. Os muros do Quartier Latin são os depositários de uma nova racionalidade, não mais confinada nos livros, mas sim democraticamente exposta no nível da rua e tornada disponível a todos. O trivial e o profundo, o tradicional e o exótico, o convívio íntimo nessa nova fraternidade, quebrando rapidamente as rígidas barreiras e divisões na cabeça das pessoas. (SORIDARITY. Paris: maio de 68. CORAND Ed. Do Brasil LTDA.)
Ratificando os elementos expostos, identificamos dentro do processo histórico, principalmente em meio a uma centralização do conhecimento e da lingüagem compostas em uma crescente monopolização no processo produtivo da sociedade, abre-se a necessidade de transpor uma intervenção consciente dos meios dispostos (na contemporaneidade, muito limitado pela propriedade privada); ou de outra forma, forjar se necessário. O grafite vem a atender fielmente a essas necessidades:
"[...] Seu caráter público, por outro lado, confere às intervenções murais traços únicos no contexto da criação cultural popular. Em primeiro lugar, quebram a hegemonia dos meios de comunicação social por parte das elites e impossibilitam qualquer tipo de censura ou limitação.[...]" (FUNARI. P. 29)

Com a crescente assimilação e absorção que o Capitalismo exerce sobre a cultura de massas - do que Adorno e Horkheimer, da primeira geração da Escola de Frankfurt atribuem como o processo de Indústria Cultural - hoje o grafite também ocupa espaço em expressões visuais de diagramação de revistas comerciais fazendo parte dos circuitos de editoração eletrônica, dando assim uma estética mais urbana além de alimentar a moda de grifes de roupas. Mas uma polêmica surge com toda essa adaptação com o sistema capitalista, até que ponto a profissionalização remete a distorção da autonomia da arte subversiva em que o grafite ganhou asas na sociedade?
Outro ponto polêmico refere-se à dicotomia da pichação com o grafite. Em uma primeira análise, puramente superficial, podemos até apreender e dar uma denotação puramente arbitrária para fazer com que a sociedade de modo geral aceite o grafite como arte pela arte; porém, ao interpretarmos em sua essência, identificaremos uma semelhança muito grande em suas intenções, pois ele se revela como um símbolo de protesto e quebra de monopólio da arte e comunicação em que o homem já não satisfeito com as limitações de seu meio social busca realização e reconhecimento de suas ações. Analisemos o quadro abaixo, ambos tratam de dois grafites conforme capa do jornal Folha de São Paulo (29 de outubro de 2000 - 7 de outubro de 2000 respectivamente). A primeira no senso-comum denotaria uma pichação, e a segunda um grafite; porém, dentro da análise de conteúdo, ambas consistem em uma atitude subversiva e de luta pela liberdade. O que prevalece então: a estética, ou a essência com atitude?
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(foto 1) - Grafite da resistência contra Indonésia em Manatuto; hoje, jovens timorenses não falam português
(foto 2) – GRAFITE: Garotos com bandeiras da Palestina e do grupo islâmico Hamas passam por imagem do garoto de 12 anos morto no último sábado em conflito com israelenses na faixa de Gaza; ontem, oito palestinos morreram em novos choques. (pág. A16

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